05 abril 2011

Olhos abertos e língua ácida

     Eu estou lendo um livro: Morte e Vida de Grandes Cidades, de Jane Jacobs. Esse livro foi escrito, 1961, com o objetivo de criticar o modelo de urbanização e reurbanização que acontecia na época, (e acredito que não mudou tanto assim de lá pra cá). Ela faleceu em 2006, mas suas convicções e pensamentos continuam atuais. Serei, aqui, mais uma contribuinte para a propagação das idéias dela, as quais, em muitos momentos, concordo plenamente.
   Ela era norte-americana e por isso suas críticas vão diretamente aos modelos de cidade moderna de lá. Porém, como essa forma de pensar, planejar e desenhar a cidade não se restringiu aos EUA, podemos transpôr suas críticas a vários exemplos pelo mundo todo.
     Como Jacobs era jornalista, a linguagem que usa é bastante acessível e clara, além de, no caso desse livro, ser bem ácida.
    Sem mais, segue um trecho do livro para que vocês possam apreciar, refletir e, na melhor das hipóteses, levar as críticas ao seus contextos. Essa é uma boa maneira de abrir um pouco mais os olhos para os problemas urbanos que fazem parte do nosso dia-a-dia.

     "Há um mito nostálgico de que bastaria termos dinheiro suficiente - a cifra geralmente citada fica em torno de uma centena de bilhões de dólares - para erradicar todos os nossos cortiços em dez anos, reverter a decadência dos grandes bolsões apagados e monótonos que foram os subúrbios de ontem e de anteontem, fixar a classe média itinerante e o capital circulante de seus impostos e talvez até solucionar o problema do trânsito.
    Mas veja só o que construímos com os primeiros vários bilhões: conjuntos habitacionais de baixa renda que se tornaram núcleos de delinqüência, vandalismo e desesperança social generalizada, piores do que os cortiços que pretendiam substituir; conjuntos habitacionais de renda média que são verdadeiros monumentos à monotonia e à padronização, fechados a qualquer tipo de exuberância ou vivacidade da vida urbana; conjuntos habitacionais de luxo que atenuam sua vacuidade, ou tentam atenuá-la, com uma vulgaridade insípida; centros culturais incapazes de comportar uma boa livraria; centros cívicos evitados por todos, exceto desocupados, que têm menos opções de lazer do que as outras pessoas; centros comerciais que são fracas imitações das lojas de rede suburbanas padronizadas; passeios públicos que vão do nada a lugar nenhum e nos quais não há gente passeando; vias expressas que evisceram as grandes cidades. Isso não é reurbanizar as cidades, é saqueá-las."

     As decisões governamentais (ainda) devem ser reflexo do desejo do povo. Para isso, é preciso que treinemos nosso olhar para tentar entender tudo o que acontece ao nosso redor. As cidades vão sendo construídas e transformadas por nossas ações. Nossas. Não é justo nem sensato deixarmos que a responsabilidade de decidir o que queremos ou não que aconteça com ela, esteja nas mãos de poucos que não representam. de fato, a maioria.
      Há uma passagem do livro 'Franceses, mais um Esforço se Quiserdes Ser Republicanos', do Marquês de Sade que fala:
           
      "Sem nada diminuir da legítima confiança que nós concedemos aos nossos Mandatários, exigimos deles, no entanto, que se vejam apenas como indivíduos unicamente encarregados de apresentar-nos ideias; só nós devemos formular nossas leis, seu único trabalho é no-las propor. Que as leis projetadas sejam-nos sobretudo apresentadas em detalhe..."

        Olhem, observem e pensem. É a única maneira de melhorar.


Até breve!

ps: tentarei ativar de vez esse blog.

2 comentários:

  1. Eu gosto muito de Jacobs, mas meu comentário vai pra o que tu escreveu depois da citação.

    Penso que a falta de participação de determinado povo representado por X é uma forma de representatividade dessa falta de participação. Digo: determinado povo que, diante de uma situação desfavorável qualquer, não recorre aos poderes instituídos, parece bem representada por formas autoritárias de governo. Claro que os pilares desses poderes constituídos foram criados por hegemonias que visavam o sustento delas próprias e tal. Longe de mim engrossar qualquer coro de resignição... Daí nessa altura nem sei se meu comentário acrescenta algo, só queria dizer que, ao meu ver, fazemos jus, como sociedade, às políticas que temos. E que mudanças ou melhorias delas pressupõem mudanças individuais de visão de mundo. Daí, ao teu "olhem, observem e pensem" eu incluiria "dialoguem".

    Deve haver formas mais sucintas e claras pra dizer o mesmo que escrevi. :~

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  2. R.R. Dias,
    Sim, sim... concordo que a situação instaurada só se mantém mais por culpa de nós mesmos do que por qualquer outra coisa. Essa citação de Sade veio pra lembrar que o que acontece deveria e deve ser diferente do que é. Nós nos acostumamos com a idéia de que não temos esse poder para falar e agir ou mudar qualquer coisa. Há a idéia de que podemos fazer a "nossa parte" individualmente. O que não é fortalecido é que se esse "individualmente" fosse transformado em "coletivamente", possivelmente tudo seria diferente. A democracia só funcionaria plenamente se o Povo praticasse o poder de escolha que tem (e aparentemente não sabe).
    De qualquer forma, que ótimo que você leu e sentiu vontade de me falar. É dessa disseminação e troca de idéias que precisamos. E assim a gente cresce.
    O "dialoguem" realmente completa a frase.
    Obrigada!

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